(1) Entidade geográfica mencionada
Fanjus. Fanjus 71(1), 87(1).
Nas orações: 860, 1037.
- [860](Cap. 71) Antonio de Faria lhe agradeceo isto muyto, & o abraçou por isso muytas vezes & praticando com elle porque caminho faria esta viagem, ja que por aly lhe não parecia bem por causa do muyto perigo em que se vião, disse que ao Norte cento & setenta legoas auante estaua hum rio de pouco mais de meya legoa em largo que se chamaua Sumhepadaõ, pelo qual não auia cousa que lhe pudecesse empecer, por não ser pouoado como aquella enseada do Nanquim em que então estauão, mas que se auia de pòr mais hum més no caminho, por causa do grande rodeyo que por aquelle rio se fazia; & parecendo entaõ milhor a Antonio de Faria auẽturarse antes a mais demora de tempo que ao risco das vidas, concedeo no que o Similau lhe dezia, & se tornou a sayr da enseada do Nanquim por onde tinha entrado, & costeou a terra mais cinco dias, no fim dos quais prouue a nosso Senhor que vimos hũa serra muyto alta com hum morro redondo para a parte do Leste, a qual o Similau disse que se chamaua Fanjus, & chegandonos bem a ella entramos em hũa muyto fermosa angra de quarenta braças de fundo que a maneyra de meya lũa ficaua abrigada de todos os ventos, na qual podião muyto bẽ estar surtas duas mil naos, por muyto grãdes que fossem.
- [1037](Cap. 87) Seruidores daquelle alto Senhor, espelho claro de luz incriada, ante cujos merecimentos os nossos ficão sendo nada, nòs os somenos seruos desta santa casa de Tauhinarel, situada no fauor da quinta prisaõ do Nanquim, com verdadeyras palauras de acatamento deuido fazemos saber a vossas humildes pessoas, que esses noue estrangeyros que esta lhe daraõ saõ homẽs de terras muyto apartadas, cujas fazẽdas & corpos o mar consumio cõ seu brauo impeto tanto sem piedade, que de nouẽta & cinco que erão, segundo por seu dito nos foy affirmado, sós esses coitados lançou na praya dos ilheos de Tautaa na costa da enseada de Sumbor & Fanjus, & vindo com suas carnes chagadas, como por nossos olhos foy visto, pedindo de lugar em lugar a aquelles que por proximidade lhes dauão do seu, como he custume dos bõs & fieis, forão presos sem razão nẽ justiça pelo Chumbim de Taypor, & mãdados a esta quinta prisaõ do Fanjau, onde os cõdenarão a pena daçoutes de que logo se fez nelles execução pelos ministros do braço da ira, como no processo da sua sentença vay relatado, & querendolhes mais por desordenada crueldade cortar ambos os dedos polegares das mãos, nos pedirão cõ infinitas lagrimas que por este verdadeyro Senhor em cujo seruiço andamos, enxergassem em nòs o fauor do seu bafo, & acudindo nós logo cõ grãde pressa a tãto desemparo, fizemos petição de clamor, a que foy respondido na mesa do leão coroado, que não cabia misericordia onde a justiça perdia seu nome, pelo que, zelosos nós da hõra de Deos, nos queixamos logo â mesa dos vinte & quatro da austera vida, os quais com zelo santo, a som de sino tangido se ajuntarão todos na santa casa do remedio dos pobres, & desejando de valer a estes, a maldiçoarão toda a mesa grande, & todos os ministros do crime, paraque a ira do seu rigor não preualecesse no sangue dos tristes, visto ser o grao da misericordia em Deos de tam altos quilates, como vemos pelos effeitos que por ella obra em nos.
Fanjùs 85(1), 126(1).
Nas orações: 1022, 1712.
- [1022](Cap. 85) Passados os noue dias que aquy estiuemos presos nos tornarão a embarcar, & nauegando por hum muyto grande rio acima, em sete dias chegamos â cidade do Nanquim, que alem de ser a segunda de toda esta Monarchia, he tambem metropoli dos tres reynos de Liampoo, Fanjùs, & Sumbor, na prisaõ da qual estiuemos hũ mès & meyo com assaz de trabalho & pobreza, porque chegamos a tamanho estremo de miseria que visiuelmẽte morriamos ao desemparo, sem termos mais que chorar, & olhar para o Ceo, porque na primeyra noite que chegamos fomos logo roubados de quanto leuauamos, sem nos deixarem nem hũa camisa, porque como a casa da prisaõ era muyto grãde, & muyta a gente que estaua nella (porque segundo nos affirmarão passauão de quatro mil presos) não auia onde hũa pessoa se pudesse assentar que logo não fosse roubado & cuberto de piolhos.
- [1712](Cap. 126) Apos isto lhe tornamos a preguntar pelo nome daquelle monstro, & nos disse que era, Pachinarau dubeculem pinanfaquè, o qual auia setenta & quatro mil annos que nacera de hũa tartaruga por nome Miganja, & de hũ cauallo marinho de cento & trinta braças de comprido, que se chatonua Tibremvucão, que fora Rey dos Gigaos de Fanjùs.
(2) Objecto geográfico interpretado
Reino (enseada, morro). Parte de: China.
Fanjus é relacionado em GT com Anju (39º 35’N e 125º 50’ E) citando como fonte FMP. O termo tem quatro ocorrências na Peregrinação. Entendo só na ocorrência do capítulo é aplicável a interpretação de GT como um morro na costa de Coreia. No resto dos casos aparece para designar um grande território da Ásia, particularmente um dos três reinos dos que é metrópole Nanjim. Porém, pode haver uma relação metonímica entre todas as ocorrências se entendemos que o cabo descrito é chamado de Fanjus a partir do nome da grande região a que pertence. FMP indica claramente que Fanjus é uma serra muito alta que forma um promontório na beira da costa, segundo o corsairo que faz de piloto. O facto de que um grupo de homens baixe a terra precisamente para perguntar qual é o caminho que deve seguir a expedição parece indicar que FMP não lhe dá toda a credibilidade ao informante e pelo tanto tampouco a este topónimo para esta ubicação.
Se entendemos que o piloto denomina Fanjus a este trecho de costa porque está perdido e pelo tanto o único que está a constatar, disimuladamente, é estarem no Noreste da Ásia (algo assim como se alguém situado em uma rua em Lisboa ao perguntar onde está lhe respondem ‘em Portugal’) deveríamos então interpretar um mesmo significado para todas as ocorrências. Isto também levaria à necessidade de localizar esta passagem da Peregrinação em um ponto ajustado à descrição de FMP ‘serra muyto alta com hum morro redondo para a parte do leste’ apenas em termos geográficos independentemente de qual for o topónimo actual, isto é, sem procurarmos similitudes fonéticas.
No capítulo 85 Fanjus é definido como um dos três reinos dos que é metrópole Nanquim, junto com os de Sumbor e Liampó. O próprio FMP, umas linhas mais arriba neste mesmo parágrafo, diz que Pequim é a capital dos trinta e dois reinos da China, Nanquim a segunda maior cidade da Monarquia. Assim procede entender que FMP se está a referir a três dos trinta e dois reinos sobre os que legisla Pequim. Como até o momento só podemos identificar Liampó, é de supor que Fanjus e Sumbor seriam áreas adjacentes a Nanquim. Há uma outra possibilidade, ainda que advirto é apenas uma hipótese que não vem dada até o de agora nem por documentação específica ao respeito nem por contexto inequívoco na Peregrinação, se não por simples dedução e coerência na interpretação do conjunto das ocorrências. Assim, os três reinos mencionados por FMP seriam uma forma arcaica para definir Nanquim como capital dos três grandes reinos nos que se dividia a China. De facto, fora ainda no século anterior, em 1421, que Nanquim perdera o status de capitalidade metrópole da China em benefício de Pequim (Genet 1996: 408), resulta assim bastante compreensível que ainda fora comum referir-se a Nanjim como antiga capital nos tempos de Pinto, muito mais ante um contexto de explicação mais histórica ou administrativa como é neste parágrafo. Fanjus, Sumbor e Liampó seriam logo as grandes áreas nas que se dividia o império da China numa época na que Nanquim era a sua capital. Esta explicação permite compreender por que mais adiante (cap. 126) FMP situa o reino dos Gigaos (que identifico s.v. Gigahuos como gentílico da Coreia) em Fanjus.
Menciona também FMP umas ilhas Tauta na costa da enseada de Sumbor e Fanjus que não identificamos nem encontrei explicadas nas obras consultadas. Pelo tanto até o momento é a ocorrência de 309ii a que melhor permite definir Fanjus: uma grande área no Nordeste da Ásia que abarca, entre outros, o território dos Gigaos. Conforme a esta interpretação uma possível localização é o ser Fanjus o termo usado por FMP para a Manchuria (Manju) ou, grosso modo, a grande área que fica no noreste da Ásia.