(1) Entidade geográfica mencionada
Mounay. Mounay 148(1), 150(2), 152(1), 167(3), 168(2), 169(3).
Nas orações: 2072, 2119, 2131, 2162, 2469, 2480, 2481, 2496, 2514, 2533, 2534, 2536.
- [2072](Cap. 148) E para isto se fez há vella para dentro do rio com conjunçaõ de vento & maré, & dobramos hũa põta que se dizia Mounay, da qual descobrimos a Cidade cercada toda em roda de hũa grãde quãtidade de gẽte que ocupaua grãde parte da vista, & no rio quasi outra tanta de vellas de remo, & com quãto sospeitamos ò que isto podia ser pollas atoardas que jâ traziamos de mais lõge, não deixamos de vellejar até dentro do porto, onde surgimos com muyto recado, & fazendo por cirimonia de paz nossa salua custumada, nos sahio da terra hum batel bem esquipado em que vinhaõ seys Portugueses, cuja vista nos alegrou em estremo, os quais subindo a cima, onde foraõ bem recebidos de toda a gente, nos declararaõ tudo o que conuinha â segurança de nossas pessoas, & nos aconselharaõ que por nenhũ caso fizessemos daly mudança como lhe dissemos que tinhamos determinado, que era fugirmos aquella noite para Bengala, porque sem duuida nos perderiamos, & seriamos tomados da armada que o Rey do Bramaa aly tinha, que era de mil & setecentas vellas de remo, em que entrauaõ cem galès todas bẽ prouidas de gente estrangeyra, mas que me fosse eu logo com elles a terra ver a Ioão Cayeyro que aly estaua por capitão dos Portugueses, a que daria cõta do a que vinha, & faria o que me elle aconselhasse se não queria errar, porque era elle homẽ bem inclinado, & grande amigo de Pero de Faria, em quẽ lhe tinhaõ ouuido fallar muytas vezes, gabandolhe sempre a nobreza de sua pessoa & condição, & que tambem lá acharia Lançarote Guerreyro, & os outros capitaẽs para quẽ trazia cartas, & que nũa cousa & noutra se praticaria o que fosse mais seruiço de Deos & del Rey nosso Senhor.
- [2119](Cap. 150) Apos estes principes & outros muytos aque não soube os nomes, vinha em distãcia de oito ou dez passos o Rolim de Mounay Talapoy de dignidade suprema sobre todos os outros sacerdotes do reyno, & tido de el Rey em reputaçaõ de homem santo, este só vinha junto do Chaubainhaa corno padrinho & terceyro entre elle & el Rey, & logo tras elle em tres palanquis vinha a Nhay Canatoo filha que fora do Rey de Pegù passado, a quẽ este Bramaa tomara o reyno, & molher do Chaubainhaa com quatro filhinhos seus, dous machos & duas femeas, de quatro até sete annos de idade, & ao redor destes palanquis vinhão trinta ou quarenta molheres moças fidalgas muyto fermosas cos rostos baixos chorando, & muyto afrontadas, encostadas todas em outras molheres que as sustentauão.
- [2131](Cap. 150) E em verdade affirmo que foy a cousa que mais senty em minha vida, por hõra dos meus naturais; feito isto, continuou o Chaubainhaa seu caminho até que chegaraõ à tenda del Rey, que estaua esperãdo o Chaubainhaa com aparato real, acõpanhado de muytos senhores, em que entrauão quinze Bainhaas que saõ como duques, & outros seis ou sete de titulos inda mayores & mais honrados que estes, o Chaubainhaa em chegando a elle se lhe lãçou aos peis, & prostrado no chão esteue como pasmado sem poder pronunciar palaura nenhũa, aquy lhe acudio o Rolim de Mounay que hia junto cõ elle, & como era religioso falou por elle a el Rey dizendo, vista he senhor esta, para o teu coração se mouer a piedade, inda que o crime seja qual he, & lẽmbrete que o officio mais aceito a Deos, & a que se elle mais inclina com effeitos de misericordia, he este que agora tẽs diante de ty, porque imitandoo nesta clemencia que os coraçoens de todos estão desejando, inda que para isso não abrão seus beiços, entende & crè por certo que te ficarâ Deos por isso tão obrigado, que quando na hora da morte olhar para ty, estenderâ sua mão poderosa sobre tua cabeça, para que de todo fiques sem culpa.
- [2162](Cap. 152) Os de cauallo fizerão então de nouo afastar a gente, que era tanta que não auia quem pudesse romper por ella, &, a Nhay Canatoo foy trazida pelas quatro molheres em que vinha encostada, â forca onde auia de ser posta cos seus quatro filhinhos, & dizendolhe o Rolim de Mounay, que entre elles era tido em reputação de santo, algũas palauras com que a esforçou, pedio ella que lhe dessem hũa pouca dagoa, a qual lhe trouxeraõ logo, & tomandoa na boca a repartio cos quatro filhinhos que então tinha nos braços, & beijandoos muytas vezes lhes disse chorando: O filhinhos filhinhos meus, gerados agora de nouo no interior de minha alma, quem fora taõ bemauenturada que pudera remir vossas vidas a troco de por isso me darem mil mortes, eu vos certifico por esta hora de temor & tristeza em que vos eu vejo, & todos me vem, que assi o aceitara da mão deste fraco inimigo, como ver a presença do alto Senhor no descanço da sua celeste morada.
- [2469](Cap. 167) Do mais caminho que fizemos atê chegarmos a Pegú onde estaua o Rey do Bramaa, & da morte do Roolim de Mounay.
- [2480](Cap. 167) E despois de auer sete dias que durauão estas festas, continuando sempre nellas este feruor, com despesas grandissimas de todo o pouo, & de el Rey & dos senhores, chegou noua certa a esta cidade que o Aixquẽdoo Roolim de Mounay, dinidade suprema do seu sacerdocio, era fallecido, pela qual causa cessou logo tudo de improuiso cem mostras no pouo de grande sentimento, & el Rey se recolheo, & os bazares se leuantaraõ, & todas as janellas & portas das casas se fecharaõ, sem em toda a cidade aparecer cousa viua, & as brallas dos seus pagodes se frequentaraõ de penitentes, que cõ continuas lagrimas fazião em sy grãdes excessos de differentes penitencias de que algũs morreraõ.
- [2481](Cap. 167) El Rey se partio logo essa mesma noite para Mounay, que era daly vinte legoas, por ser necessario acharse presente a este enterramento, conforme ao custume antigo dos Reys de Pegù, onde chegou ao outro dia â vespera, & fez dar tanta pressa a tudo o que era necessario para estas exequias, que no mesmo dia foy tudo preparado & posto em ordem.
- [2496](Cap. 168) De que maneyra foy eleito o nouo Roolim de Mounay, summo talagrepo desta gentilidade do reyno de Pegû.
- [2514](Cap. 168) E sem fazerem mais detença despidio logo el Rey o Chaumigrem seu colaço, a que então deu titulo de Coutalanhaa, que he irmão del Rey, por yr mais honrado, o qual se partio com cem laulees de remo, em que foy a flor da gẽte Bramaa, com os noue defindores da eleição, & foy buscar o nouamẽte eleito ao lugar onde estaua, donde o trouxeraõ com muyta autoridade, & veneração; & chegando dentro de noue dias da sua partida, a hum lugar que se chamaua Tagalaa, cinco legoas desta ilha Mounay, el Rey em pessoa o foy buscar com todos os grãdes da corte, a fora a outra gente que era quasi infinita, em mais de duas mil embarcaçoẽs de remo.
- [2533](Cap. 169) Da maneyra que este Roolim foy leuado â ilha de Mounay, & metido nella de posse do seu supremo pontificado.
- [2534](Cap. 169) O nouo Roolim foy leuado daquy deste lugar em hum riquissimo andor douro & pedraria que os principais oito senhores do reyno leuauão aos hombros, & el Rey diante delle a pé, cõ hũ treçado rico âs costas, & desta maneyra o acompanhou até os seus mesmos paços, que a este tẽpo estauão com ornamento pontifical riquissimamente preparados nos quais o Roolim esteue tres dias aposentado, em quanto na ilha de Mounay se aparelhauão algũas cousas necessarias à sua entrada nella.
- [2536](Cap. 169) Chegado o dia que elle auia de entrar nesta ilha de Mounay, (a qual, como jâ disse, elles tem entre sy como entre nòs he Roma, & por cabeça do seu diabolico pontificado) a armada dos seroos, & laugoas, & laulees, & de toda a mais sorte de embarcaçoẽs que estauaõ no rio, que passauão de duas mil, forão postas em ala de duas fileyras em distancia de todo o espaço que ha da cidade até a ilha, que pode ser hũa legoa & meya, & desta maneyra ficaua a mais fermosa rua que se podia dizer, porque todas estas embarcaçoens estauão cubertas de ramos com muytas fruitas, & de muytas rosas, & flores, & boninas de muytas maneyras, & muytos toldos & estendartes, & bandeyras de seda, com hũa inueja taõ regozijada em toda a gente, que parece que andauão a competencia a qual o auia de fazer milhor, para lhe ser outorgado jubileu plenissimo, & absoluição de quantos roubos tiuessẽ feitos sem restituiçaõ de cousa nenhũa, & outras larguezas nos nefandos abusos da sua torpe vida, as quais calo por ser materia indigna das orelhas pias, & conforme às suas diabolicas seitas, & âs tençoens danadas dos instituidores dellas, porque nas licenças & larguezas da carne saõ taõ deuassos & dissolutos como todos os outros infieis & hereges.
(2) Objecto geográfico interpretado
Ilha (ponta). Parte de: Martauão.
Ponta, ilha. FMP qualifica a ilha de Mounay como equivalente a Roma para o reino Pegu. Tal relevância deveria ser reconhecível e identificável por documentação complementar à Peregrinação. GT porto de Moulmein em 16º 30’N, 97º 37’ na costa oriental do Martabão. FMPP (vol. 4, p. 26) possível Mawlamyine. Nas notas ao capítulo 148 Jacques Leider (vol. 3, p. 189) sugere também Moulmein (Mawlamyine) mas expressa dúvidas por quanto nos mapas antigos aparece como Marmolan, o qual dificulta uma identificação por homofonia.
FMP assinala várias referências:
1) desde Pegu 20 léguas, Tagalaa 5 léguas e Martauão 1.5 léguas.
2) Mounay é uma ponta, rio adentro, a partir da qual podem ver o sítio à cidade de Martauão.
3) rumo: a procedência é desde mar aberto e chega-se antes do que a Martabão, o qual sugere também certa distância à cidade.
4) As referências a Tagalaa favorecem a localização de Mounay (a 5 léguas) mais perto do que Martauão (6 léguas), por tanto mais ao norte. No entanto, a referência a Martauão é feita para referir uma distância por terra, a um ponto que parece referir-se a um espaço amplo, porém Mounay é um lugar acessível desde o rio, isto é, ainda que estão relacionados, parece referir-se a espaços concretos distintos dentro de uma região geográfica.
As distâncias e esta descrição sugerem uma localização aproximada na ilha de Bilogyun.
Possível: ilha de Biologyun, 16º 29’N, 97º 32’. Necessária documentação em fontes complementares.